Competências Humanas e o papel do RH na transformação digital


A primeira vez que vi o termo transformação digital foi em 2001, mas, na época, parecia mais um modismo passageiro. Foi há uns três ou quatro anos que o assunto ficou um “hot topic” e sabemos já que quem não prestou atenção nessa onda ficou ou ficará para trás.

De fato, vivemos uma sociedade digital, com uma incrível oportunidade de gerar valor e resultado. Essa é a principal razão de termos a tal Transformação Digital. Ela não está, como alguns pensam, calcada na tecnologia, como as passadas. O cenário hoje é bem diferente. Transformação digital, ou TD, NÃO É simplesmente usar tecnologia para um ganho operacional e redução de custo. É transformar o modelo de negócio.

Isso pressupõe um entendimento de como o negócio gera lucro, os caminhos estratégicos, a cultura que pode sustentá-los e o papel da tecnologia e gente nisso tudo. Toda essa onda de transformação está tirando o sono dos CEOs: quem será que está na próxima esquina e que pode roubar nosso almoço? Temos a estrutura certa para essa jornada? A estratégia está certa? Como identificar aqui quem está comigo nisso? Quem gera ideias? Como enfrentar os que não querem que nada mude? Como criar sistemas de incentivo e recompensas que apoiem o processo de mudança?

Questões como essas mostram dois fatos: o primeiro, e mais óbvio, é que a TD tem que ser patrocinada pelo CEO, já que envolve estratégia e mudança do modelo de negócio. A segunda é que esse processo todo deve ser capitaneado pelo RH, por mais ninguém.

Tenho notado um consenso entre especialistas a respeito da natureza da TD: algoritmo e a tecnologia correspondem a 30% do desafio. Os outros 70 são gestão e processos e, neste ponto, eu incluo também cultura. Quem cuida desses 70%? Estou convencido que a TD é uma TREMENDA oportunidade para o RH sentar no vagão da frente.

Em suma, 70% é Transformação e 30% Digital.

Tome o caso da tradicional Enciclopédia Britânica: quem tem mais de 30 anos já deve ter feito pesquisa escolar em uma enciclopédia, não é? A EB anunciou que, depois de 244 anos, tinha impresso sua última edição. A mensagem parecia clara: mais uma das tradicionais sofrendo a ruptura pela revolução digital. Só que não! Hoje ela vai muito bem, obrigado!

A EB já vinha passando por um processo de transformação, e a Wikipedia não foi o primeiro desafiante. Em 1996 foi o CD Rom, que derrubou as vendas em 75% e desde então tendência das vendas era de queda constante. O CEO mencionou, em entrevista publicada na revista HBR, que foi o maior choque porque a empresa não tinha tempo suficiente de mudar o modelo de negócio. Para piorar as coisas, na mesma época, a Microsoft começou a dar a enciclopédia ENCARTA em CD ROM de graça para quem comprava o Windows. Quando a internet veio, explodiram as opções de concorrência, já começava a entrar cada vez mais nas casas do consumidor. Isso foi na verdade o que salvou a empresa, que já vinha no movimento de se reinventar. Não ficaram presos no modelo de negócio que funcionou por duas centenas de anos, se reinventaram, compreendendo a necessidade dos que eram seus clientes: usuários de língua inglesa (o nicho que entendiam que eram competitivos) e instituições de ensino fundamental, médio e universidades, sem perder o propósito central: qualidade editorial e serviços educacionais. Quando veio a decisão de eliminar a versão impressa, as vendas estavam em 1%! Hoje ela é uma empresa mais presente nos mercados de língua inglesa, que vende o serviço por assinatura on line.

Case Enciclopédia Britânica é emblemático das dores que uma empresa passa ao mudar o modelo de negócio. O CEO, naquele momento de transformação, em cenário apocalíptico, conseguiu ter um olhar de desenvolvimento. Trouxe talentos novos e soube utilizá-los para construir a próxima fase: marketing, vendas, editorial com skills totalmente novos. Era a única opção para não perder o bonde.

Para capitanear esse processo, o RH precisa estar atento a comportamentos, habilidades ou atitudes que precisa instigar na cultura, e também dar o exemplo começando na própria área. Afinal, a primeira função do agente de transformação é transformar a si mesmo.

Algumas dicas:

1- Trazer o digital para melhorar os processos. Um possível primeiro passo é usar Data Analytics nos processos de gestão de pessoas, por exemplo, a seleção baseada em analytics para maior cultural fit de posições mais operacionais.

2- Adotar a filosofia, linguagem e abordagem do Design Thinking – é não só levar a ideia por si, tal como um aplicativo para avaliação contínua, mas já trazer para a mesa uma visão do impacto para o público que a utilizará.

3- Cobrar do CEO a clareza estratégica, matéria prima para todo trabalho que virá a seguir da transformação.

4- Ser o curador da cultura, não o guardião – uma vez que ela já está em mutação. Ocupar o lugar de braço direito do CEO, trazendo um olhar sistêmico para entender a contribuição das pessoas no processo. Que símbolos ritos e heróis sustentam ou destroem a cultura que queremos? Quem está apoiando no discurso e na prática sabotando o processo? Quem está apoiando e precisa de mais espaço? Quão inspirador é nosso propósito? Quão claro é para todos? Como fazê-lo chegar às pontas? Quais atitudes dos líderes estão gerando desperdício de energia?

5- Cuidar das relações de poder: esperar apoio de alguém que está perdendo poder é acreditar que as pessoas colocam a organização em primeiro lugar, e sabemos que não é bem assim. Ninguém voluntariamente vai querer se sacrificar em nome da organização. Que impacto as mudanças trazem nas estruturas de poder? Quem vai se sentir na berlinda quando promovermos a colaboração em times de projeto? Que mecanismos de recompensa e incentivo precisamos criar? Quem vamos reconhecer como campeões da causa, que darão o exemplo?

6- Quebrar as barreiras para a comunicação e feedback em todas as direções: isso é pré-requisito para um modelo ágil. Entretanto, em certas culturas que valorizam controle e hierarquia, as pessoas podem não estar acostumadas a falar o que pensam sobre o chefe para o chefe (e sim no cafezinho, sobre e não para ele), e os gestores podem não estar abertos a ouvir críticas.

No ano passado visitei a HP no vale do Silício e me chamou a atenção da estratégia que utilizam para quebrar as barreiras para comunicação de ideias inovadoras. Eles constataram que boas ideias acabavam ficando paradas nas gavetas dos gestores, pois não tinham tempo para isso. A nova política prevê que se um funcionário apresenta uma ideia ao seu gerente, ele tem 24h para responder. Se não o fizer, o diretor da área tem 48h para responder.

7- Viabilizar a agilidade: em uma realidade com participação em vários projetos, em Squads, Chapters etc. faz sentido realizar duas conversas formais de feedback no ano? Delloite, GE, EY e Accenture acreditam que não e estão mudando a forma de fazer a gestão do desempenho, com feedbacks mais curtos, frequentes e documentados, permitindo correções de rumo mais rápidas ao longo do percurso.

8- Promover o comprometimento pela influência – obter engajamento de gente que não está diretamente subordinada, mas são parte do projeto e das metas dos líderes. O engajamento vem, dentre outras coisas, da habilidade do líder não só de inspirar, mas também de desenvolver pessoas. Acredito que cada vez mais será valorizado o líder capaz de ser coach da equipe, uma vez que desenvolver alguém gera, por reciprocidade, maior empenho. J&J e P&G investem em capacitação para isso.


O RH pilota quase todos os mecanismos para fazer a TD dar certo. TD não é tecnologia e dados. É ajudar as pessoas fazerem coisas diferentes.

Ouso dizer que em 5 a 10 anos teremos mais CEOs que vieram de áreas de RH. Qual será seu próximo passo, qual competência você quer desenvolver em si, para sentar no vagão da frente na era da transformação digital?

Sou Dante Mantovani e minha causa é transformar o mundo pela educação das lideranças.

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